Debussy, no piano mediterrâneo de Pollini

Perto de completar 58 anos – ele nasceu em 6 de janeiro de 1942, em Milão – Maurizio Pollini é um dos mais extraordinários pianistas italianos da segunda metade deste século. Muitas das suas numerosas qualidades evidenciam-se nesse seu disco mais recente, dedicado ao Primeiro Livro de Prelúdios de Claude Debussy (1862-1918).
O CD de mestre Pollini saiu por sua gravadora habitual, a Deutsche Grammophon (n.º 445 187-2), que agora pertence à Universal Music Company. Ele traz, além dos doze Préludes, partitura mais longa que Debussy destinou ao seu instrumento predileto, o piano – L106: L’Isle joyeuse. Esta peça, traduzida pelo viés irônico do autor, talvez pudesse ser chamada, em português, de “A Ilha d’alegria”.
Pollini procede a uma verdadeira limpeza na interpretação desse Debussy maduro, de 1910. Antes de mais nada, abole dos pentagramas as emboloradas névoas “impressionistas” que certa tradição, ou mero hábito, havia colocado aí. Depois, registrando com acuidade as alturas, os timbres, as durações e as intensidades dos sons, faz com que a matéria musical se mostre livre e forte na sua estruturação. E, assim, consegue concretizar o gesto revolucionário do compositor, que sempre desejou fazer um discurso musical que não recorresse a esquemas pré-estabelecidos e que dissesse um sutil “não” ao convencionalismo.
É bem por sua atitude a um só tempo de “pianista transcendental” e de intelectual que “pensa” a música que sente que Maurizio Pollini nos encanta com o seu Debussy renovado e calorosamente meridional. As Dançarinas de Delfos ganham uma coreografia mais aérea, As Colinas de Anacapri recuperam o seu fervor italiano, os Passos na Neve exibem a sua textura de “branco sobre branco” digna de Turner e A Moça dos Cabelos de Linho volta a assumir a sua feição pré-rafaelita.
E mais: O Vento na Planície prefigura a música eletroacústica, A Serenata Interrompida efetivamente se interrompe, como uma obra deixada em aberto, A Catedral Submersa se transforma em um estudo de reverberações profundas, e O que viu o Vento do Oeste se mostra bem “animado e tumultuado” como recomenda o compositor à testa da partitura. E, enfim, a alegria reinante nessa Ilha da Felicidade inspirada em Watteau resulta em algo
forte demais para os ouvidos puritanos. E nós ficamos imaginando como haverá de ser o Segundo Livro de Prelúdios de Debussy, ainda mais revolucionário, na concepção de
Pollini.

1. Préludes – No. 1, “Danseuses de Delphes” – 3:05
2. Préludes – No. 2, “Voiles” – 3:19
3. Préludes – No. 3, “Le vent dans la plaine” – 2:10
4. Préludes – No. 4, “Les sons et les parfums tournent dans l’air du soir” (Baudelaire) – 3:11
5. Préludes – No. 5, “Les collines d’Anacapri” -2:51
6. Préludes – No. 6, “Des pas sur la neige” – 3:45
7. Préludes – No. 7, “Ce qu’a vu le vent d’ouest” – 3:06
8. Préludes – No. 8, “La fille aux cheveux de lin” – 2:27
9. Préludes – No. 9, “La serenade interrompue” – 2:27
10. Préludes – No. 10, “La cathedrale engloutie” – 6:09
11. Préludes – No. 11, “La danse de Puck” – 2:45
12. Préludes – No. 12, “Minstrels” – 2:17
13. L’ isle joyeuse, for piano, L. 106 – 5:41

 


  • Publicação: Jornal da Tarde (São Paulo / SP – Brasil)
  • Publicação: Jornal da Tarde (São Paulo / SP – Brasil)
  • Data: Domingo, 19 de dezembro de 1999
  • Título: Debussy, no piano mediterrâneo de Pollini

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